Zumbi
Zumbi |
Autor: Adriana Fernandes No século XVII, quando se verificaram as invasões holandesas, aproveitando-se da confusão que se estabelecera, milhares de escravos começaram a fugir de seus senhores, agrupando-se nas faldas do Outeiro do Barriga, no atual Estado de Alagoas. Em pouco tempo, o número de fugitivos (em sua maioria negros angolas), atingia 20.000. Construíram então, uma república conhecida pelo nome de Quilombo de Palmares (denominavam-se "quilombos" as barracas ou antros construídos às pressas, quase sempre com folhas de palmeiras, enquanto "palmares" eram regiões em que as palmeiras abundavam) e, por ser de todos o mais forte, valente, ágil, e com certa cultura, Zumbi foi escolhido como o chefe desta república. (A palavra Zumbi significa "Deus negro de alma branca") A história daquele que seria o Zumbi começa quando Brás da Rocha ataca Palmares, no ano de 1655, levando um recém-nascido, entre os adultos capturados. A criança foi entregue ao chefe da coluna atacante, que por sua vez resolveu fazer um presente ao padre Melo, cura de Porto Calvo. O religioso decidiu chamá-lo Francisco. A grande batalha do chefe guerreiro Zumbi, zelando dia e noite pela segurança do seu povo e lutando para que não fosse extinto o ideal de se formarem comunidades onde conviviam negros, índios e brancos, começou ao completar quinze anos, em 1670. Nesse ano Francisco fugiu do padre Melo, em busca da liberdade. Ao retornar a Palmares, Francisco, com seus quinze anos, passou a ser Zumbi. Os negros faziam incursões às fazendas e povoados próximos, onde cometiam depredações, vingando-se não raro das afrontas e maus tratos de seus antigos senhores. Defendendo-se com armas primitivas, empenhando-se em lutas corpo à corpo, os negros do Quilombo do Palmares derrotaram sucessivamente 24 expedições chefiadas pelos capitães-do-mato. Esses capitães-do-mato recebiam ordens para capturar o maior número possível de escravos, vivos, sem inutilizá-los para o trabalho forçado, havendo portanto, o cuidado de não mutilá-los ou não lhes produzir lesões graves. Nesta luta corpo à corpo, o escravo se mostrava superior, graças a sua extraordinária agilidade. Para não se deixar apanhar vivo, segundo o testemunho dos componentes das escoltas, o negro, refugiando-se nas capoeiras, defendia-se com um estranho jogo de braços, pernas, tronco e cabeça. Não rara era a debandada dos soldados que pretendiam agarrá-los. Em 1687, sendo Souto Maior o governador de Pernambuco, designou o sertanejo paulista Domingos Jorge Velho (mestre de campo de um regimento estacionado no sertão do Piauí) para exterminar o Quilombo dos Palmares. O sertanejo exigiu como prêmio as terras conquistadas e os escravos que aprisionasse. O acordo com os paulistas foi ratificado em 3 de dezembro de 1691. Domingo Jorge Velho, comandando cerca de 3.000 homens bem armados e equipados (inclusive com 2 canhões), dirigiu-se para o Outeiro do Barriga, onde iniciou os primeiros combates com os negros escravos. Os soldados tinham recebido ordens de capturar os negros vivos, mas era quase impossível. Os negros resistiram até 6 de fevereiro de 1694,quando Domingo Jorge Velho logrou êxito. Conseguiu conquistar terras, mas aprisionou um número muito reduzido de escravos. Segundo o historiador Fernandes Pinheiro, Zumbi se atirou do alto de um rochedo. Outros historiadores classificam essa versão como uma lenda, asseverando que o chefe dos Palmares foi atraiçoado, tendo sua cabeça exposta em praça pública, conforme comprova carta do governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro, dirigida ao Rei de Portugal em 1696. Mas a lenda foi mais forte, os negros nela acreditaram e o mito penetrou na história, contando que Zumbi morreu lutando e atirou-se de um penhasco para não ser capturado. Para os negros escravos da época, ele voltaria do fundo do penhasco para libertá-los. Além disso, Palmares ficou como ponto de referência de uma gente espalhada por todas as partes deste país, simbolizando uma luta secular de libertação. Luta de um povo que se identifica não somente pela pigmentação da pele, mas pela mesma herança cultural. Palmares está viva como ponto de partida para chegarmos a uma sociedade livre. Desde a época da campanha dos escravistas contra o quilombo de Palmares ficou o registro do termo capoeira, dos guerreiros das capoeiras e sua estranha forma de luta, que tornava homens desarmados capazes de enfrentar e vencer vários adversários. A coluna que matou Zumbi era chefiada pelo capitão paulista André Furtado de Mendonça. No Império Homens se celebrizaram, valendo-se de suas autoridades na perseguição à capoeira, como foi o caso de Miguel Nunes Vidigal, nomeado em 1821 para a Guarda Real de Polícia. Capoeira exímia que era tornou-se o terror de seus companheiros, aplicando-lhes uma série de torturas, que tinham por alcunha a ceia dos camarões. Foi no Rio de Janeiro que o capoeira encontrou seu maior campo de ação entre os políticos que se formaram pró ou contra a proclamação da República. Os grupos de capoeiristas, eram contratados para atuarem em comícios, concentrações e passeatas, que terminavam sempre em pancadaria, com pedras de ambos os lados. Na República Foi sem dúvida o período áureo da capoeira, os dias que assinalaram o fim do Império e os primeiros dias da República. Mais graves não poderiam ser os acontecimentos. No Recife, qualquer aparição pública de uma banda de música militar ou particular era pretexto para que se juntassem grandes grupos de capoeiristas, que as seguiam sempre procurando desordem e ameaças. Na Bahia, reuniam-se eles, com ou sem motivos, nas festas religiosas ou públicas, em praças ou mercados, sem outro fim que o de perturbar o ambiente. Vieram os primeiros dias da República e a repressão a este intolerável estado de coisas. Em 11 de outubro de 1890, o Decreto no.847 do Código Penal Brasileiro, tratou especificamente, de vadios e capoeiras, com rígidas medidas punitivas, sendo visados não só seus praticantes, mas, principalmente os cabeças de grupos ou maltas, cujas penas podiam ir de prisão celular de dois a seis meses ou, mesmo até, ao degredo para a distante ilha de Fernando de Noronha. Criou-se uma colônia correcional - a Fazenda de Boa Vista, na Paraíba do Sul/RJ - que congregaria vadios, vagabundos e capoeiras. Mas, como sempre, com as leis vieram também os abusos, incorretas aplicações delas, perseguições injustas e verdadeiros massacres, com ou sem causas devidas. No tempo do Marechal Deodoro, o Conde de Matozinho tinha um filho chamado José Elísio Reis, capoeirista, emérito fechado de botequins, que foi preso por Sampaio Ferraz, então chefe da polícia. Preso "Juca Reis", o Conde de Matozinho recorreu ao seu amigo, o Ministro Quintino Bocayuva, para que soltassem seu filho. Quintino foi a Deodoro e este, ao chefe da polícia, cuja reação foi imediata: "Não solto, porque se não fico desmoralizado." Sampaio manteve forte atitude. Diante do dilema, Quintino Bocayuva colocou a questão nos seguintes termos: Ou Juca Reis seria solto, o que implicava a exoneração do Chefe da Polícia, ou ele se retirava do governo. Apesar disso, a decisão foi mantida e "Juca Reis", com todos seus títulos e prerrogativas, foi mandado para Fernando de Noronha e Quintino Bocayuva permaneceu no ministério. Em 1907, foi publicado "O Guia da Capoeira ou Ginástica Brasileira", cujo autor colocou apenas O.D.C. à distinta mocidade (Ofereço, Dedico e Consagro). Segundo Agenor Corrêa (Mestre Sinhozinho), tratava-se de um oficial do exército, que julgou prudente não revelar o nome pelos preconceitos existentes contra a capoeiragem. O folheto era dividido em 5 partes, que tratam respectivamente dos seguintes assuntos: Posições Negaças Pancadas Simples Defesas Relativas Pancadas Afiançadas Em 1928, Annibal Burlamaqui publica a obra chamada Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada, que pode ser considerada o melhor trabalho no gênero. Nesta obra, Annibal Burlamaqui demonstra grande preocupação em fazer ressurgir a capoeiragem e se bate para que ela seja considerada um método nacional de ginástica; estabelece regras para o jogo desportivo de capoeiragem e apresenta, devidamente ilustrados, os principais golpes e contragolpes de que se valem esta luta. No Rio de Janeiro é que a capoeira foi mais praticada do que em qualquer outra parte do território nacional. Capoeirista, foi desde a nobreza com o Barão do Rio Branco, dentre outros, até o negro escravo. Melo Morais, que viveu na época dos grandes capoeiras, se refere a Mamede, Chico Carne-Seca, Bentivi, entre outros, sendo Manduca da Praia o mais famoso. Sobre esse capoeira, a quem conheceu pessoalmente, diz Melo Morais - "Conhecido por toda população fluminense, considerado como homem de negócio, temido como capoeira célebre, eleitor crônico da freguesia de São José, apenas respondeu a 27 processos por ferimentos leves e graves, saindo absolvido em todos eles pela sua influência pessoal e do seus amigos". Foi o negro capoeirista conhecido por Macaco Velho (Francisco da Silva "Cyríaco"), nascido em Campos/RJ e falecido no Rio de Janeiro a 19 de maio de 1912, que na primeira semana de 1909 no Concerto Avenida (Rio de Janeiro), batendo-se com o campeão japonês de jiu-jítsu, Sado Miako, venceu aplicando-lhe um único e fulminante "rabo de arraia". Segundo a ata do combate, da Confederação Brasileira de Pugilismo, enquanto o japonês se dirigia aos quatro lados, fazendo a costumeira saudação oriental, Cyríaco foi mastigando a língua para melhor salivar e quando o juiz deu o sinal de combate, o capoeira soltou uma volumosa cusparada, que mais parecia um jato, no rosto do japonês, cegando-o momentaneamente e, de imediato, aplicou-lhe um violentíssimo "rabo de arraia", derrubando-o desacordado no solo. A luta durou pouquíssimos segundos, para o delírio da multidão. "Cheguei em frente com ele, dei as minha continença e fiz a premera ginga, calculei a artura do negrinho, à meiada da perna, isquei com a mão p'rá espantá tico-tico, o camarada tremeu, eu disse: antão? Como é? Ou tu leva o 41 dobrado ou tu tá ruim comigo, pruque eu imbolá, eu não imbolo. O japonês tremeu, risquei com ele por baixo, dei o passo de limpeza gerá, o negrinho atuduou, mexeu, mas não caiu..." "A rapaziada aí gritaro: Aí Cyríaco! Entra com o teu jogo intero!...Eu me queimei e já sabe! Tampei premero, distorci a esquerda, virei a pantana, óia o hôme p'rô relógio de repetição, mas o gringo se acomentou com a chamada e se deu por satisfeito." "Meus sinhô, isto que tá aqui é a vredade pura, pura... figi assim, tal e quá, Qui eu disse pro japonês! Entra bruto! Fui ansim, sem tirá, nem pô, qui eu li mandei-le o rabo de arraia no frontispício da philosostria!" Na Bahia, na década de 1930, Manoel dos Reis Machado, conhecido por Mestre Bimba, famoso capoeirista de sua época, resolve metodizar e aperfeiçoar a capoeira d'angola, criando a "Luta Regional Baiana", que abrangia 52 golpes, dos quais 22 eram mortais. No Rio de Janeiro sinhozinho ensina capoeira sem a parte musical. Em 1932 é fundado o Centro de Cultura Física e Capoeira Regional (de Mestre Bimba), a primeira academia de capoeira a obter registro oficial, através do certificado expedido pelo Secretário de Saúde e Assistência Pública, assinado a 9 de julho de 1937, pelo Inspetor Técnico Dr. Clemente Guimarães. Outros grupos seguiram o exemplo, como o de Gengibirra, sob a direção de Livino Diogo e Daniel Coutinho. |
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